sobre ranhuras e renascimentos
não sei dizer se conheço mais bruno poeta ou bruno amigo. prefiro dizer que os dois se confundem inseparavelmente. afinal, sua escrita é abraço, é confissão e é bronca quando preciso.
tive o privilégio de acompanhar sua trajetória como escritor e, em cada conversa íntima, sempre surgia um momento oportuno para a poesia. creio que, na verdade, a poesia seja parte dele, nunca o abandona. está em suas mãos, em sua pele e em seu riso. afinal, até mesmo na mesa de um bar ou durante o café da tarde, o fazer poético atravessa-o e é atravessado por sua delicadeza e força.
a leitura de fissuras é um aperto e um refúgio. este segundo livro difere significativamente do livro de estreia de bruno caldeira. enquanto por mais fortes que possam ser os teus anseios, você não pode segurar a água nada condensa e tudo explora vertiginosamente, fissuras traz uma escrita sintética e concretiza um eu-lírico falsamente letárgico em meio à angústia para evidenciar sua serenidade post mortem. entretanto, o mesmo não permanece morto ou irônico como o conhecido brás cubas, mas cada vez mais vivo, literal e sensível, explorando a dor como poda para o florescimento em cada metáfora. bruno nos traz um lembrete gentil: renascer é preciso.
neste livro, sensibilidade e resiliência combinam-se numa espiral de sinestesias. o autor também brinca com a metalinguagem para compor uma imagem poética única que beira o abstrato para abortar o concreto. entre esse explicar e sentir, há uma provocação da linguagem, um estranhamento formal próprio de uma escrita consciente de sua autoria e escrevivência, cada vez mais maduras e prosaicas.
a esperança também atravessa as palavras e o leitor. a fé, nesse vendaval da passagem do tempo, inaugura uma série de renascimentos frágeis. bruno explora uma natureza em que nada é perene e essa efemeridade da vida serve de inspiração contínua para a partilha da memória, do sonho e do afeto, seja este sexual, próprio ou familiar.
é contraditório afirmar que nenhum prefácio poderia cabê-lo e ainda assim anexá-lo a este livro. mas, de fato, a experiência de leitura é única e o movimento dos olhos nas páginas acompanha um movimento de dentro. de muito dentro. uma ranhura no peito que é cutucada e curada numa mesma página. fissura: um nome perfeito para metaforizar essa catarse tão bem-vinda.
bruna ou inaraí no prefácio do livro
Fissuras - Bruno Caldeira
edição // Lígia Sene & Victor Prado
revisão // Gabriel Galbiatti Nunes
capa e projeto gráfico // Victor PradoPrimeira edição, janeiro de 2023
Franca — São Paulo, BrasilISBN • 978-65-86208-17-7